Dois anos de Canadá: Eu me comunico, logo existo.

27 de julho de 2009, há exatos dois meses eu completei 2 anos aqui no Canadá. Também fazem 2 meses que eu tento escrever sobre este assunto, mas tinha sempre alguma coisa acontecendo “dans mon entourage”, que acabava sempre ficando pra depois.

Bom, e como tem muita coisa pra contar, não vou me alongar para não ficar chato e cansativo. A idéia é fazer um post abordando cada assunto, ou assuntos interligados, falar dos projetos concretizados (ou não), enfim, contar um pouco da minha vivencia de imigrante.

Tá, vamos parar com esta enrolação e ir direto ao que interessa?

O assunto que escolhi para iniciar esta série de posts é justamente algo intrinsicamente ligado ao dia-a-dia de qualquer imigrante: lidar com um (ou dois) novos idiomas.

Antes de vir para o Canadá….

Bom, eu estudo inglês desde os 11 anos de idade. Basicamente aprendi inglês na escola e em cursinhos tipo Fisk e afins mas nunca tive saco para concluir um curso de inglês. Cheguei num ponto em que eu não aprendia mais nada, afinal raríssimas foram as vezes em que tive aulas com professores nativos (problema de se morar no interior…). E sem ninguém para praticar, ficava só naquela de gramática, gramática e gramática. Um dia resolvi que seria melhor praticar escutando música e vendo filmes e seriados de TV, o que realmente deu certo e me ajudou bastante a melhorar minha compreensão e a ter mais vocabulário. Mas, continuava com o problema de não ter com quem conversar para praticar.

No caso do francês, antes de decidir imigrar para o Québec eu não sabia nem mesmo falar bonjour. Então tive que meter as caras, foram 3 anos ininterruptos estudando na Aliança Francesa. Este curso foi muito bom, ao ponto de eu achar que falava francês, o que vim a descobrir que não era verdade ao pisar os pés em Montréal.

Aprendendo a me comunicar

Levei umas duas semanas para acostumar meu ouvido com o francês falado aqui. Por sorte, eu fiquei hospedado numa homestay famille d’accueil, o que me ajudou bastante porque eu era forçado a falar (ou tentar falar) francês o tempo todo.

Além disso, estudei francês durante 7 semanas numa escola de idiomas e em seguida comecei a francisation, onde fiz duas sessões (6 meses) de um curso de conversação. Este curso foi muito bom porque era justamente focado em québécois.

E por fim, eu ficava assistindo TV em francês na maior parte do tempo: jornais, séries e filmes.

Com relação ao inglês, como eu tinha mais experiência, não tive muita dificuldade em me expressar, muito embora meu sotaque fosse horrível. Ainda não tive oportunidade para fazer um bom curso de inglês, o que pretendo tão logo surja uma oportunidade, mas eu já percebo melhoras substanciais.

Na verdade, na maior parte do tempo eu estou me comunicando em inglês, que é o idioma oficial lá na empresa onde eu trabalho, então estou sempre praticando e ficando melhor a cada dia :)

No geral, não demorei mais do que 6 meses para atingir um bom nível de comunicação.

O que foi planejado e o que foi alcançado?

Me tornar fluente em francês e em inglês era uma das minhas metas para o primeiro ano de imigração. Mas logo eu percebi o quão absurda esta meta era.

A minha definição de fluência é a seguinte: Para eu ser fluente em algum idioma, eu tenho que ter o mesmo nível de proficiência no meu idioma nativo. Isto inclui aspectos, tais como: Ter um sotaque adequado, pronunciar corretamente as palavras, entoar corretamente as frases, ter um bom universo de vocabulários, dominar bem a gramática.

Obviamente, em um ano não é possível atingir a perfeição em nenhum destes quesitos e, por conta disto, eu não me considero fluente nem em francês, nem em inglês.

O que não significa que eu não fale francês nem inglês. Em qualquer um destes idiomas eu sou capaz de compreender o que falam comigo e de me fazer entender. Eu sou capaz de me engajar em qualquer conversação, sobre qualquer assunto, e vou conseguir expor meu ponto de vista.

Com o tempo, você percebe que isto é o que realmente importa: entender e ser entendido e aí você desencana.

Então é isso, embora eu não tenha conseguido cumprir a meta de ser fluente nos idiomas locais, eu tenho a sensação de dever cumprido. Tenho também a certeza de que um dia eu vou chegar no nível que tanto almejo, é questão de determinação, prática e de dar tempo ao tempo.

Stay tunned for the next episodes!!

Francês é realmente a língua falada no Québec?

Este post é, na verdade, a resposta a uma pergunta que recebi aqui no blog:

O francês é realmente a língua oficial falada no Québec? Ou as pessoas falam inglês e francês?

A resposta pra a primeira pergunta é: Sim, o francês é a língua oficial do Québec. A segunda eu respondo logo adiante, mas primeiro eu vou fazer algumas considerações.

Símbolo de "Pare", em Montréal. (Fonte: http://www.roumagnac.net)

On ne parle pas français, on parle Québécois!

Pra explicar a primeira consideração, vou fazer um paralelo do Québec com o Brasil. No Brasil, apesar de todos falarmos o mesmo idioma, na prática, o que percebemos é uma grande quantidade de sotaques, regionalismos, gírias, etc e, se compararmos o português falado no Brasil com o que é falado em Portugal, as diferenças são gritantes. Nosso português, ou “brésilien” como tenho escutado frequentemente aqui, vem evoluindo ao longo destes mais de 500 anos de história e a ele foram adicionadas palavras de origem africana, indígena e até mesmo de outros idiomas europeus.

É mais ou menos isso que aconteceu aqui no Québec. Enquanto que na França, o francês falado em Paris fora definido como o jeito correto de se falar, aqui isto não ocorreu. E, além do mais, o Québec foi inicialmente colonizado por franceses vindos do norte da França, que já naquela época tinham um sotaque diferente do de Paris. Mas isto é só um detalhe da história, que ainda não estudei a fundo.

Então, resumindo a história, após séculos de evolução (ou involução??) foi se formando o francês Québécois.

Mas não pára por aí! Assim como ocorre no Brasil, aqui também existem vários sotaques, gírias, expressões, etc, que vão variar de acordo com a região da província. Por exemplo, o francês falado em Montréal é “diferente” do francês falado na Gaspésie, ou em Chicoutimi e por aí vai.

Montréal, um caso a parte.

Montréal é a maior cidade do Québec. Sua região metropolitana concentra quase a metade da população de toda a província. Além disso, é a segunda maior metrópole francófona do mundo (perde para Paris).

Mas aqui não se fala só francês. Montréal é bilingue, existem escolas, universidades, bairros (cidades) totalmente anglófonos. Muita gente que mora aqui na Ilha de Montréal tem como idioma nativo o inglês e vive aqui sem, necessariamente, falar francês. Em qualquer lugar que se vá, alguém vai te dizer “bonjour, hi!”. Se você responder com bonjour, você será atendido em francês. Se responder hi, vai ser em inglês.

E é muito normal, numa conversação, fazer o switch do inglês pro francês e vice-versa. Às vezes ocorrem situações inusitadas: outro dia eu precisei trocar meus óculos e então fui fazer um exame de vista. Na ótica, discuti todos os detalhes referentes às lentes e armação em francês, já a consulta médica foi em inglês.

As pessoas falam inglês e francês?

Em Montréal, o fato de a cidade ser bilingue não implica que todo mundo fale inglês e francês. Uns falam fluente os dois idiomas, outros falam só francês e outros falam só inglês. Há também o caso de imigrantes, como eu, que falam pelo menos três idiomas.

Fora de Montréal a realidade já é um pouco diferente: o predomínio é da língua francesa.

Outra coisa, que quero ressaltar aqui é que nem todo québécois (estou me referindo aos francófonos) fala inglês com perfeição assim como nem todo anglófono canadense, nascido no Québec ou não, fala francês com perfeição. Achou que porque é bilingue todo mundo fala direitinho? Isto é mito!